sábado, 6 de abril de 2013

Transporte Público - Me dê Números!

Dia 28 de março um protesto violento eclodiu em Porto Alegre contra o aumento das passagens de ônibus. Ele foi precedido - e sucedido - por diversas outras manifestações pacíficas. No cerne deste movimento está um repúdio não apenas ao valor corrente das passagens, mas à situação do transporte público.
O Discutindo Porto Alegre publicará uma série de artigos sobre o problema do transporte público de Porto Alegre. A questão será abordada sob diversos pontos: jargões da área, como o custo da passagem é calculado, simulações de alternativas, a falácia do crescimento dos isentos, entre outros. A abordagem será qualitativa e quantitativa, resultado de um trabalho exaustivo de análise de dados fornecidos pela EPTC, pela Prefeitura e por outras fontes. 

Hoje - Me dê Números!

Ao longo desta semana, nesta primeira fase do projeto de qualificação da discussão do sistema de transporte público de Porto Alegre, me foquei em explicar o sistema. O objetivo era nivelar o debate, de forma que qualquer interessado no assunto passe a conhecer os termos técnicos, indicadores, metodologia de cálculo dos custos e receitas.

Contudo, o que queremos é resolver o problema. E, para resolver o problema, precisamos apresentar propostas. No dia em que o Busatto foi atingido por tinta ao tentar conversar com os manifestantes, penso as vezes que esta foi o melhor desfecho para o problema. Imagino se os manifestantes fossem discutir com ele.

[Busatto] Ok, qual é a proposta de vocês?
[Manifestantes] Não, tu é quem tens que dar uma proposta!
[Busatto] Ãh, hmmm, ouvi dizer que se reduzirmos as isenções o valor vai baixar!
[Manifestantes] Não, isto é inaceitável. A margem de lucro da empresas é enorme. Ouvi dizer que é 12%, seja lá o que isto signifique!
[Busatto] Mas a passagem vai ter que subir. O preço correto dela é R$3,05.
[Manifestantes] Não! O preço correto é de R$2,60! Buuuuuu!!!

Claro, muitas pessoas tem propostas. Acabar com os cobradores, acabar com as isenções, subsídios, etc. Mesmo este debate ainda está no campo no achismo. Enquanto não colocarmos números na discussão, não saberemos qual é o real impactos das nossas ideias. Assim, propostas geniais podem se mostrar inócuas, enquanto ações simples podem se mostra importantíssimas!

Os artigos anteriores fundamentaram a discussão, mostrando como receitas e custos impactam na tarifa. Hoje vamos aprender a calcular cenários.

Quais são as variáveis

O primeiro ponto importante é descobrirmos quais variáveis impactam no custo e receita, e quais pontos não alteram. Nas minhas simulações, tenho trabalhado com as seguintes variáveis:
  1. Número e Salário dos Motoristas: Impacta nos custos de mão de obra operacional, manutenção e administrativo;
  2. Número e Salário dos Cobradores: Impacta nos custos de mão de obra operacional, manutenção e administrativo;
  3. Número e Salário dos Fiscais: Impacta nos custos de mão de obra operacional, manutenção e administrativo;
  4. Demanda: Vale para cada uma das categorias de passageiros e para o total. Impacta o IPK e IPK equivalente;
  5. Isenções: Percentual do valor completo da passagem pago pela categoria. Impacta no IPK equivalente;
  6. Taxa de Conversão de Isenções: Ao alterar o percentual de cobrança, qual o impacto no volume de passageiros;
  7. Tributos (ISSQN, PIS, COFINS, Taxa de Administração): Impactam no CQT;
  8. Outras Receitas (subsídios, publicidade, serviços, venda de passes): Impactam no CQT;
  9. PMM e Rodagem Total: Impactam todos os cálculos de custo km.
Outras variáveis, de muitas possíveis, são:
  1. Preço do ônibus médio;
  2. Valor residual;
  3. Vida útil;
  4. Taxa de remuneração.
Alguns Cenários

Temos hoje diversas ideias sendo apresentadas. Vamos analisar algumas delas:

Acabar com os Cobradores

Sou, particularmente, um grande defensor desta ideia. A motivação mais clara é que o valor da mão de obra tem crescido no brasil com o aumento da massa salaria. Isto pressiona a parcela mão de obra dos custo, que hoje já é responsável por 45% do custo do sistema.

No modelo, alterar o número de cobradores implica na redução de seus custas diretos, além das parcelas de seus custos indiretos: custo da mão de obra de manutenção e administrativo, ambos atrelados ao custo da mão de obra operacional. O modelo não leva em consideração, assim, que os coeficientes que atrelam estas duas parcelas provavelmente precisariam subir, pois a manutenção e administração não seria impactadas positivamente (ao menos em mesmo grau) por esta alteração. Esta discrepância é moderadamente significativa, pois estes custos atrelados são cerca de 2/3 do valor direto. 

Feita esta observação, seguem os impactos desta medida:
Tarifa Calculada: R$2,37
Variação: R$0,50

Acabar com Todas as Isenções

Conforme já discutido anteriormente, reduzir as isenções envolve uma estimativa de difícil previsão: como os passageiros se comportarão a esta mudança de valor. Quantos deles continuarão usando o sistema? De forma simplificada, apresento abaixo como ficaria a o impacto na tarifa caso a taxa de conversão fosse de 100% (o que nunca ocorre). Note que, nem assim, chegamos nos valores informados pela prefeitura.
Tarifa Calculada: R$2,14
Variação: R$0,73

Aumentando a Utilização

Este é o cenário que mais impacta o sistema. Aumentar o uso dilui todos os custos do sistema. É impressionante como uma pequena alteração na demanda impacta o valor da tarifa. Abaixo são apresentados os valores para um aumento de 10% e 20% no número de passageiros, distribuído linearmente em toda as categorias.
Tarifa Calculada: R$2,36 | R$1,98
Variação: R$0,51 | R$0,89

Diminuindo a Rodagem

A redução da rodagem dos ônibus também traz um impacto significativo na tarifa. Hoje temos, por exemplo, seis linhas que fazem o trajeto Centro-Lami. reduzir estas ineficiências pode trazer um impacto muito significativo no sistema. Abaixo são apresentados os valores para reduções de 5% e 10% na rodagem total.
Tarifa Calculada: R$2,70 | R$2,53
Variação: R$0,17 | R$0,24

Simulando Suas Ideias

"Ei, mas espere, mas estes cenários são muito ruins! Sem o cenário X estes estudo perde o sentido!"

Concordo plenamente, caro leitor! Mas este problema possui uma solução muito mais elegante!

Com base nestas variáveis, montei uma planilha de simulação do sistema. Estou, hoje, liberando esta planilha para qualquer interessado. A partir dela, qualquer pessoa pode simular o cenário que desejar. Com isto, paramos de discutir devaneios para avaliar o impacto real das nossas ideias.

A planilha permite trabalhar com o primeiro conjunto de variáveis que expus neste artigo. Os campos de cor mais claras indicam onde podem ser feitas a manipulação das variáveis. Ela permite cenários simples ou uma combinação de várias medidas.

Note que o segundo conjunto de variáveis não permite simulação. Isto ocorre, pois, como comentei no artigo sobre custos, tive algumas discrepâncias no meu cálculo com o da planilha da EPTC. Assim, volto a fazer um pedido aos leitores que me ajudem a identificar a razão desta discrepância. Este blog quer criar um diálogo, logo, seria muito importante se conseguíssemos criar uma comunidade atuante. O trabalho de vários é muito mais efetivo do que de um só!

Como incentivo, imagine que, destravando esta dimensão, poderíamos calcular o impacto real na tarifa para os seguintes casos:
  • Percentual da frota com ar-condicionado;
  • Percentual da frota com acessibilidade;
  • Impacto de ônibus com chão baixo versus chão alto;
  • Uso de ônibus elétricos;
  • etc.
Ainda, é importante citar que o modelo apresenta outros pequenos problemas. O mais relevante é que a prefeitura faz o cálculo da tarifa baseado em valores mensais. Entretanto, a maior parte dos indicadores que temos acesso são anuais! assim, a planilha faz um uso misto de valores (o que é errado):
  • Toda a arte de demanda é baseada em valores anuais, obtidos na revista Transporte em Números. Assim, os números de demanda podem trazer um impacto quando comparados à simulação da EPTC;
  • Toda a parte de custos é baseada em valores mensais, obtidos na Planilha de Cálculo Tarifário;
  • Temos um IPK calculado diferente do IPK da planilha.
Identifiquei que, ao menos para a tarifa de R$2,85, o impacto da diferença de demanda mensal para anual são aproximadamente lineares. Assim, para contornar o problema, alterei o percentual linear da demanda até acertar com o IPK divulgado na planilha. O resultado foi bastante satisfatório. Para a tarifa de R$2,85 (que tem tarifa calculada de R$2,98), o coeficiente de acochambramento é 0,98. Ainda assim o valor da tarifa fica R$0,01 centavo mais barato, em função do que julgo ser um erro de cálculo nos custos administrativos, conforme discutido anteriormente.

Update: Em tempo, outro problema do modelo é que não sei como calcular os impostos dos demais itens de tarifação, conforme expresso na tabela. Assumi, assim, que pagam o mesmo imposto dos bilhetes. Agradeço qualquer esclarecimento neste ponto.

Concluindo?

Com este artigo, encerro a primeira parte deste trabalho que realizei sobre o sistema de transporte público de Porto Alegre. Como disse na apresentação - e no próprio título deste blog - meu objetivo não é um monólogo, mas uma discussão. Gostaria muito que os leitores postassem seus pontos de vista, cenários, ideias, etc. A matemática nos permite concretizar nossos sonhos, mas eles ainda são baseados em como vemos o mundo, algo bastante subjetivo!

Após algum descaso destes longos posts (foi um trabalho bastante extenuante!), pretendo voltar a analisar o sistema com formas de melhorar seu desempenho, além de apresentar propostas concretas para a o problema!

Post Script

Alguns amigos me comentaram ter tido problemas para postar comentários. Agradeceria muito se qualquer leitor que enfrente este tipo de problema me contate via alexpanato@gmail.com. Tentarei resolver este problema no limite das minhas capacidades!

Outros Artigos da Série

Iniciando o DiálogoIntrodução ao conjunto de indicadores e vocabulário usado ela EPTC e o básico do cálculo da tarifa. 
Mais Sobre Custos: Análise detalhada de como funciona o sistema de cálculo de custo das tarifas. 
Receitas e DemandasComo está a situação da arrecadação do sistema de transporte. Como está se comportando a demanda dos passageiros. 
Por que as Passagens Sobem?Análise dos motivos por trás do aumento das passagens e comparação com outras cidades. 
Uma Proposta Para o transporte PúblicoUma proposta para reduzir o valor das passagens e melhorar a qualidade do serviço.

12 comentários:

  1. Isso é muito legal! Mas não sei se o perfil do pessoal que protesta é o de analisar dados, preencher planilhas e organizar argumentos.

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    1. Em geral não é, mas agora dá para exigir de qualquer um que queira reclamar dê números. Quando me disserem algo vou pedir números e aguardar ficarem discutindo sozinhos! :-D
      Fora isto, claro, há sempre a vã esperança que as pessoas mudem! :-)

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  2. Minha proposta é acabar com cobradores e acabar com todas as isenções. Considerando um uma migração de 50% dos isentos para os pagantes, diminuição de 10% da demanda por estudantes, e lucro R$5M anuais com propaganda, daria para termos passagem a R$1,70, bastante acessível para todo mundo.
    O problema é como convencer os privilegiados a abrirem mão dos seus privilégios?

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    1. PS.: Seria mantido 5% dos cobradores para fiscalização por amostragem... se bem que tendo catraca na frente nem sei se seria necessário.

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    2. Só acrescentando. Tua simulação também previu redução da rodagem para 90% e aumento do uso da categoria comum para 110%. ;-)

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    3. R$1,90 mantendo a rodagem em 100%

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    4. Coloquei agora uma seção resumo na planilha. Copiem os resultados de lá e colem aqui quando forem postar simulações. Assim dá menos trabalho e não tem chance de esquecer algo! ;-)

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  3. Bah Alex, excelente essa tua planilha! Mandou bem!

    Tentei simular aqui um cenário onde um sistema proto-BRT estaria em operação. Chutei uma redução da PMM de 20% (menos ônibus rodando vazios), bem como uma redução de 20% para cobradores, motoristas, fiscais e manutenção. Sem cortar NENHUMA das isenções, e mantendo a demanda original, o valor final da tarifa foi R$ 2,06. Acho que ainda iria um pouco mais pra cima se considerássemos a necessidade de adquirir os ônibus mais modernos para o BRT, mas não soube como botar esse cálculo na tua planilha.

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    1. Boa, Mobus. Se puderes copiar os dados do resumo e colares, facilita para os outros a leitura. Estava mexendo nisso enquanto tu fazias as tuas simulações.

      Sobre este outro ponto de simulação, ainda não tenho esta dimensão aberta. Me ajudem a descobrir meu problema na parte de depreciação e arrecadação do meu modelo que libero esta dimensão para cálculos.

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    2. Pois, esta história do BRT está uma confusão. Todas as informações mais importantes não são divulgadas. Só falam das paradas e dos corredores. Falta falar da redistribuição de linhas, se o financiamento d sistema vai ser independente ou não do restante (cai tudo na mesma caixa, depois dividem), etc.

      Sobre a estação, de fato, isto é um problema. Sou ignorante sobre a zona sul: onde seria um local de bastante movimento para colocar a estação? Outra coisa é que, segundo o Porto Imagem, vão fazer um mega empreendimento ali do lado. Isto pode aumentar a densidade da região.

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    3. Sobre o local, estou procurando dados sobre densidade populacional em Porto Alegre por bairro. Em princípio vou usar as infos da prefeitura, mas vai ser meio sacal. se alguém souber de uma mapa mais mastigadinho eu agradeço!

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    4. Sobre o artigo, ele me dá esperanças, mas logo em seguida me deixa confuso de novo. Fala que vão cancelar linhas, mas diz que o BRT continuará dividindo as paradas na Protásio... Fico com a impressão que há um monte de ideias (algumas conflitantes), mas nada concreto.

      Curiosidade: esta Daniela que aparece aí na foto foi minha contemporânea de engenharia. Era namorada de um amigo meu, mas falei pouco com ela.

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